Mudança climática pode piorar a qualidade das pastagens

JORNAL DA USP – 03/04/2019

O aumento das temperaturas médias esperado para as próximas décadas, de no mínimo 2º C, pode ter um impacto inesperado no bolso dos pecuaristas. Novos estudos sugerem que um dos efeitos da mudança no clima será a redução na qualidade da pastagem, que se tornará menos proteica, mais fibrosa e, portanto, de digestão mais demorada.

Como consequência, disseram os pesquisadores, o gado precisará consumir mais alimento para alcançar o peso de abate e passará a produzir mais metano, um potente gás causador do efeito estufa.

As conclusões têm como base experimentos feitos pela equipe de Carlos Alberto Martinez y Huaman, professor do Departamento de Biologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP. Participaram do estudo pesquisadores do Instituto de Botânica de São Paulo, da Universidade de Illinois, nos Estados Unidos, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Jaboticabal e do Instituto Federal Goiano, campus Rio Verde.

“Buscamos entender como as pastagens forrageiras responderão fisiológica e produtivamente às condições futuras do clima, que envolvem aumento na temperatura média e na concentração de dióxido de carbono (CO2), além de redução da disponibilidade de água”, disse Martinez à Agência Fapesp.

As principais espécies vegetais cultivadas são classificadas em C3 e C4, nomenclatura relacionada à via usada pela planta para fixar carbono na fotossíntese. Soja e feijão, por exemplo, usam a via C3. Gramíneas tropicais, como cana-de-açúcar, milho e forrageiras, desenvolveram um sistema complementar à C3 chamado de via C4.

Na tentativa de determinar com precisão as mudanças fisiológicas que as forrageiras deverão sofrer no futuro, Martinez evitou realizar experimentos em estufas – locais considerados limitados para fazer as simulações necessárias.

Como explicou o pesquisador, as plantas em estufas são cultivadas em vasos e, desse modo, têm o crescimento das raízes limitado. Consequentemente, crescem menos do que em campo aberto. Outras variáveis impossíveis de serem reproduzidas na estufa são a intensidade e a variação da luminosidade e da temperatura, causadas pela ação do vento sobre as folhas, além da profundidade do solo, no qual as raízes podem penetrar à procura de água.

“Para alguns experimentos, o modelo de vasos é válido, mas para simulações de clima futuro também são necessários experimentos de campo. Conseguimos aquecer as plantas ao ar livre com aquecedores infravermelhos. Além disso, enriquecemos o ar com CO2 em ambiente aberto, graças a uma infraestrutura denominada Trop-T-FACE, instalada em campo com apoio do Programa Fapesp de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais”, disse Martinez.

Experimentos em campo aberto – Foto: Divulgação via Fapesp

Os experimentos foram realizados em campo aberto, onde as plantas estão submetidas a condições normais de temperatura, luminosidade, vento e umidade e o solo é profundo, podendo as raízes se estender em busca de água.

A espécie empregada foi o capim-mombaça (Panicum maximum), uma forrageira tropical de origem africana que realiza fotossíntese pela via C4. Amplamente usado no Brasil como pasto, por sua alta qualidade nutricional, o capim-mombaça é comum em São Paulo e em outros Estados.

“Colocamos aquecedores infravermelhos em 16 canteiros, aquecendo as plantas 2º C acima da temperatura ambiente. Os equipamentos são capazes de detectar a temperatura ambiente a cada 15 segundos, ajustando os valores de acordo com a necessidade”, disse Eduardo Habermann, bolsista da Fapesp e primeiro autor dos trabalhos publicados nas revistas Physiologia Plantarum e Plos One.

“O experimento foi realizado em novembro de 2016, período de grande calor. A temperatura ambiente estava em 38º C e, nos canteiros, chegou a 40º C”, disse Habermann.

Ao longo do experimento, os pesquisadores aferiram as condições de trocas gasosas das plantas com a atmosfera, as condições da fotossíntese, a fluorescência da clorofila, a produção de folhagem (biomassa) e a qualidade nutricional do pasto.

“Vimos que, em condições de seca, as plantas tentam economizar a água do solo. O controle é feito pelos estômatos, pequenas estruturas presentes nas folhas, que se abrem para absorver o CO2. Mas, ao fazê-lo, perdem água. Com pouca água no solo, a raiz se ressente. A planta fecha os estômatos e transpira menos. O efeito da economia de água é a redução da fotossíntese, com a consequente piora na qualidade da planta”, disse Habermann.

Além do apoio da Fapesp, o trabalho também contou com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Agência Nacional de Águas (ANA).

Folhas mais fibrosas

Outras respostas do capim-mombaça ao estresse hídrico, detectadas pelo estudo, foram o aumento na quantidade de fibras das folhas e a redução no teor de proteína bruta – fatores que representam perda de qualidade nutricional.

Os pesquisadores estimam que, nas condições futuras de temperatura, o aumento na quantidade de fibras resultará em uma digestão mais difícil e demorada para o gado. A consequência direta será a produção de maior quantidade de metano pelos animais.

“O gado precisará consumir mais pasto até atingir o peso de abate. Para manter o mesmo nível de produção, os pecuaristas precisarão complementar a alimentação do plantel e regar as pastagens, com impacto significativo nos custos de produção”, disse Martinez.

Outra alternativa, nem sempre possível, é a expansão das áreas de pastagem, o que pode favorecer o desmatamento ou fazer com que o produtor abra mão de outros cultivos.

A equipe também realizou experimentos com plantas C3, como a leguminosa estilosantes campo grande (uma mistura das espécies Stylosanthes capitata e Stylosanthes macrocephala), forrageira rica em proteína e que executa a função de capturar o nitrogênio da atmosfera e fixá-lo biologicamente no solo, reduzindo os investimentos em insumos agrícolas, contribuindo para a redução dos impactos ambientais e possibilitando maior ganho de peso aos animais.

“Os experimentos de mudanças climáticas realizados com a leguminosa C3 deram o mesmo resultado. A qualidade nutricional é reduzida”, disse Martinez.

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