Por Barbara Bigarelli – EPOCA NEGÓCIOS – 21/04/2018
Francisco Jardim, da SP Ventures, defende que o Brasil está à frente de países como Israel e China na agricultura tropical – e que as agrotechs brasileiras estão levando as tecnologias para o campo
Falar de tecnologia no agronegócio brasileiro é hoje falar de tecnologia de ponta – principalmente se o clima, em questão, for tropical. Mas não limite o seu pensamento a drones, monitoramento de satélites ou controles para gestão de pragas. Os algoritmos invadiram o campo – e a produção de muitas fazendas já é pautada e acompanhada com uso de big data e internet das coisas. A tecnologia blockchain também já chegou lá e tenta resolver um dos maiores entraves do setor, o financiamento do produtor. A visão é otimista, mas vem de Francisco Jardim, sócio da SP Ventures, que entende bem o assunto.
O fundo paulista, criado em 2007, a partir de uma divisão do Criatec, do BNDES, ganhou reconhecimento do CB Insights como um dos mais ativos no setor de agricultura. Prospectar agrotechs é uma de suas missões e o portfólio inclui empresas como a AgroSmart, AgroNow, Bom Para Crédito e InCeres. Jardim defende que as startups brasileiras possuem condições para promover inovações em larga escala – baseadas em um ecossistema que conta com centros de pesquisa de referência, empreendedores engajados e produtores alfabetizados digitalmente. “Quem está levando todas as revoluções tecnológicas para o campo hoje são as startups”, disse em entrevista à Época NEGÓCIOS.
Qual o nível de inovação nesse mercado? Quanto o Brasil está à frente dos concorrentes?
É difícil olharmos para algo no Brasil e falar: “estamos na vanguarda, à frente de Israel ou China”. Mas, quando falamos do agronegócio e principalmente do agronegócio tropical, a diferença é brutal. O Brasil está muito à frente – e conseguimos fazer isso com muito menos subsídio do que a Europa e os Estados Unidos. Conseguimos isso porque nossos centros de pesquisa e desenvolvimento são líderes no mundo, a ESALQ (Escola Superior de Agricultura Luís de Queirós), da USP, figura de forma recorrente entre as cinco melhores universidades de ciências agronômicas do mundo. Além dela, temos a Unicamp, Universidade de Lavras, Universidade Federal de Viçosa, o Complexo Unesp (Botucatu e Jaboticabal), o campus da USP em Pirassununga, a Federal do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, a Embrapa, entre outras. E temos uma estrutura que produz ciência de fronteira e que está acostumada a integrar e levar as soluções para o mercado privado.
Quando fomos escolher startups para investir no início do fundo, mapeamos quais setores do agronegócio estão maduros para gerar uma ruptura tecnológica. Dividimos em seis áreas: pecuária e agricultura; porteira para dentro e para fora; digital e biotecnologia e fomos a campo pesquisar e prospectar. Vimos muito uso de satélite para agricultura, internet das coisas (campo conectado a um satélite que recolhe dados em tempo real e transforma em inteligência agronômica), uso de drone, aplicações mobile, blockchain, produção agrícola em galpão (indoor farmer) e uso de biotecnologia (principalmente genética aplicada). Tudo sendo desenvolvido em centros de pesquisas e com empreendedores levando isso com modelos de negócio para o campo.Como o blockchain está sendo utilizado no campo?
Para ajudar a regular a relação que há entre as empresas e os produtores. Hoje, essa relação é regulada através do CPR (Cédula de Produto Rural) – trata-se de uma venda a termo, na qual o produtor, associação ou cooperativa de crédito emite um título para comercializar seus produtos. O CPR é hoje a maior fonte de financiamento do agronegócio, mas é um processo burocrático, exige idas e vindas ao cartório, coletas de assinaturas e, em alguns casos, demora até três meses para sair. E também é um processo exposto a várias fraudes. Uma startup em que investimos quer resolver isso ao fazer com que o processo de emissão do CPR seja todo digital. A Bart Digital desenvolveu uma plataforma para realizar as transações com uso blockchain. É fazer o papel do cartório, mas de forma segura, descentralizada e criptografada. Também permite que produtores menores recebam financiamento. Uma XP pode distribuir CPR para pessoas físicas, por exemplo.Você fala sobre inovações de startups porque é o que a SP Ventures busca para investir. Mas são as startups que estão liderando a revolução no campo?
Pegue as revoluções tecnológicas, como blockchain e drones, e repare em quem está levando isso para o campo. Tem alguma grande empresa que está fazendo um projeto de blockchain no campo? Quem está levando inteligência (com algoritmos que transformam dados em projeção de produtividade em tempo real) e aplicação de satélite para o campo? São as startups. Todas as novas sequências de inovação vêm de empresas pequenas.
E essas pequenas empresas têm condição que as soluções ganhem escala em um país da dimensão do Brasil?
Claro que sim. A InCeres, empresa que usa computação em nuvem, é uma startup de Piracicaba que já é quase a líder de mercado em termos de processamento de imagem de solo. Está à frente de todas as multinacionais. Hoje, essas agrotechs não são conhecidas pelo público geral porque são muito focadas no agronegócio ou não são grandes e polêmicas. Mas os produtores conhecem. Se o Brasil tem potencial de criar grandes multinacionais globais como Monsanto, Google, Syngenta, isso vai acontecer no agronegócio.
O que falta para chegarmos nesse patamar? É uma questão de tempo?
É uma questão de tempo. Imagine só. Há três, quatro anos, ninguém falava de agrotechs. Começaram a falar há dois anos e, em 2017, explodiu. De 2007 a 2014, recebemos 54 startups de agronegócio aqui. De 2015 a janeiro desse ano, recebemos 400. E a qualidade das 400 foi maior do que as 54. Esse ano está muito acelerado. Tem mais dinheiro hoje, há muitas pessoas que consideram empreender como opção de carreira e há uma série de revoluções tecnológicas que aconteceram no campo que viabilizaram o surgimento de startups. Hoje, há mais conectividade, penetração mobile e o produtor agrícola é alfabetizado digitalmente.
Você disse que há dinheiro disponível no mercado para investir. De forma geral, o mercado de venture capital amadureceu no Brasil nos últimos anos?
A gente chegou num novo nível de maturidade, usando como base o mercado em 2012, 2013. Temos fundos grandes que vieram, sobreviveram e ficaram. E que, apesar da turbulência econômica e política, investiram em empresas que hoje já estão despontando, como o Nubank, PSafe, Bom Para Crédito, Guiabolso, Creditas e 99. Acho que agora o Brasil criou uma esteira de produção para formar unicórnios [empresas que valem US$ 1 bilhão].