Brasil, um paraíso (ainda pouco explorado) para as fintechs

Por Startse – 08/11/2018

Você lembra quando decidiu em que banco abriria sua conta? Se sim, como escolheu a cesta de serviços mais adequada? Segundo pesquisa realizada pela fintech Guiabolso, 99,35% das pessoas economizariam se trocassem suas cestas bancárias pelo pacote essencial, gratuito por lei, e pagassem a mais apenas pelos serviços avulsos que utilizassem.

Esse número passa a ser ainda mais alarmante quando 43% das pessoas afirma não saber quanto paga na cesta de serviços. Na segunda etapa da pesquisa, realizada com um grupo seleto de pessoas, a maioria afirmou desconhecer os preços pagos aos bancos. E, mesmo entre os que afirmaram conhecer as tarifas (57%), 37% erraram a quantia gasta.

O Guiabolso pôde confirmar que os valores pagos estavam errados porque faz a análise de finanças pessoais, atuando diretamente na educação financeira dos brasileiros. Isso é possível através da sincronização de dados agregados de contas bancárias na fintech – na pesquisa, foram avaliadas as cinco principais cestas dos maiores bancos do país: Banco do Brasil, Bradesco, Caixa Econômica Federal, Itaú e Santander.

A pesquisa descreve ainda que um em cada quatro participantes gasta mais que R$ 40 todos os meses com a cesta bancária. A fintech acompanhou os serviços utilizados por eles durante um mês para avaliar se o investimento estava valendo a pena – e o resultado foi negativo.

O último estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) prevê que existem cerca de 60 milhões de desbancarizados no Brasil – isto é, pessoas sem contas bancárias. Um dos motivos que levam a esta realidade são as taxas cobradas pelo serviço, que o Banco Central tenta contornar ao obrigar que os bancos ofereçam cestas gratuitas de serviços básicos.

A Resolução Nº 3.919 do Banco Central do Brasil (também chamado de BACEN) dispõe que o pacote padronizado de serviços prioritários incluam o fornecimento de cartão de débito com segunda via, até quatro saques, duas transferências entre contas do mesmo banco, dois extratos da conta impressos em papel (e ilimitadas na internet) e até 10 folhas de cheque, com número de compensações ilimitado. Entretanto, apesar da medida ser interessante, sabemos que no dia a dia, as vezes precisamos de serviços que vão além da cesta básica – e é aí que as fintechs estão ganhando espaço no mercado.

A maior fintech do Brasil, o Nubank, alcançou este patamar ao oferecer, em setembro de 2014, cartões de crédito sem anuidade e com o serviço completamente digital. Ainda que seja necessário passar por uma aprovação de crédito para utilizar o serviço, ele diminui uma barreira e garante que mais pessoas tenham acesso aos cartões devido a facilidade e pela isenção de qualquer investimento. No produto, a fintech possui taxas apenas em compras internacionais e juros no atraso do pagamento da fatura.

A própria startup foi criada, em 2013, pelo empreendedor colombiano David Velez com o objetivo de desburocratizar e facilitar o acesso a serviços bancários no Brasil. Atualmente, a fintech já oferece também uma conta de pagamentos digital na qual os correntistas podem realizar transferências para qualquer banco sem taxas e com um rendimento maior do que a poupança.

A Neon Pagamentos também é um exemplo que segue a mesma linha: a fintech oferece uma conta-corrente digital com isenção de taxas importantes, como anuidade de cartão, manutenção e encerramento de conta, além de preços mais competitivos frente às taxas de outros bancos, como transferências no valor de R$ 3,50, enquanto a maioria dos concorrentes possuem taxas entre R$ 10 e R$ 20. Recentemente, a Neon lançou a Neon+, conta para clientes especiais do cartão físico ou virtual, que isenta a maioria das tarifas, restando apenas as de saque e IOF.

É perceptível que nenhuma das fintechs conseguiu oferecer uma gama de serviços completa e totalmente gratuita ainda. Apesar de não cobrar nenhum tipo de taxa para o funcionamento da NuConta, o Nubank não possui serviços básicos como um cartão de débito e a possibilidade de realizar saques. Por enquanto, os usuários ainda são reféns das contas bancárias tradicionais para realizar esses serviços, mas está no escopo da fintech oferecer os mais desejados pelos seus clientes assim que possível. O Nubank recebeu do Banco Central a permissão de se tornar uma instituição financeira neste ano.

Enquanto isso, a Neon oferece uma maior gama de serviços, e, por mais que tenham umas taxas competitivas, ainda não conseguiu zerá-las completamente. Entretanto, o movimento das duas fintechs apenas exemplificam algo mais profundo que está acontecendo no mercado brasileiro: a necessidade dos grandes bancos de se reinventarem.

A pesquisa do Guiabolso comprovou algo que já sabíamos – o que não falta é mercado e demanda para as fintechs no Brasil! Mais de 20 milhões de pessoas já pediram cartões do Nubank, enquanto a Neon possui uma base de 1,3 milhões de usuários cadastrados – isto é, que também já expressaram interesse em se conectar ou utilizar algum serviço da fintech.

Esses números cobrem pessoas de todos os cantos do Brasil, o que expressa o interesse nacional, mas já é possível ver soluções criadas por necessidades pontuais de um ecossistema específico, como o Banco Maré. O próprio nome da fintech descreve o público para qual é destinado a solução – o Complexo da Maré, no Rio de Janeiro. Hoje, o complexo reúne 16 comunidades, composta por 130 mil pessoas. Segundo o Link, do Estadão, em junho deste ano a startup contava com 20 mil clientes ativos.

Tudo começou quando o analista de sistemas Alexander Albuquerque percebeu a falta de acesso a serviços financeiros no local – não há lotéricas ou agências bancárias. Por isso, os habitantes tinham que percorrer longas distâncias para realizar um pagamento ou depósito, por exemplo. Albuquerque percebeu, também, no entanto, que quase todos possuíam smartphones e acesso à internet.

Inspirado por essa ideia, ele criou o aplicativo Banco Maré, que permite aos habitantes do complexo realizarem pagamentos via moeda digital – a palafita, que homenageia os primeiros moradores da região, que viviam as margens da Baía Guanabara.

Os clientes do Banco Maré podem recarregar suas contas digitais em estabelecimentos comerciais conveniados ou fazer compras pelo celular. Com as palafitas na conta digital da fintech, os usuários podem realizar pagamentos de contas também pelo smartphone, sem precisar percorrer longas distâncias ou até mesmo sair de casa para tal, como um banco digital convencional permite.

Além disso, os habitantes do Complexo da Maré podem colocar créditos telefônicos também pelo aplicativo, consultar saldo e recarregar o bilhete único do transporte público. Esse último serviço não é oferecido pelos bancos tradicionais – a fintech foi além e buscou trazer o que realmente os habitantes do local necessitam.

A mudança do sistema bancário está em curso

Mas é claro que os grandes bancos não estão alheios a todas essas mudanças e a tendência crescente das fintechs no Brasil. O próprio Guiabolso, ao sincronizar as contas bancárias tradicionais dos clientes em seu aplicativo, estabelece uma relação que não pode ser ignorada, principalmente quando os clientes estão se empoderando e começando inclusive a tomar crédito nas fintechs. Hoje, o Guiabolso indica inclusive os empréstimos mais adequados para cada perfil de usuário, com base em análises de comportamento, e passará a oferecer em breve também opções de investimento personalizadas.

Apesar de serem enxergados como concorrentes em muitas instâncias – o que é inevitável -, é interessante ver que a mudança gerada pelo mercado está influenciando também os movimentos dos grandes bancos. Hoje, a corrida passou a ser sobre quem é mais digital ou oferece o melhor atendimento ao cliente – no futuro, pode ser apenas uma questão de tempo para que a questão seja quem oferece os melhores serviços e taxas, a medida que as fintechs começarem a oferecer serviços ainda mais completos.

Os próprios bancos tradicionais estão começando a colaborar e investir em startups (como o Bradesco na Cuponeria) inclusive para obterem melhores resultados. Esse é o caso do Banco Bradesco, por exemplo, com o inovaBra, e o Itaú, com o Cubo.

E o movimento não se restringe apenas ao mercado financeiro, mas em outros setores de startups. O Banco Bradesco possui uma grande parceria com a edtech Qranio, por exemplo, para potencializar resultados no treinamento dos mais de 100 mil colaboradores em todo o Brasil. “Tivemos um grande desafio de unir uma grande empresa com uma menor em termos de estrutura, mas que tinha muito mais conhecimento e velocidade. Descobrimos que isso é uma força somada, e não um embate”, disse Victor Queiroz, diretor de RH do Bradesco, em um evento realizado pela StartSe.

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