Por Filipe Oliveira – Folha de S.Paulo – 23/09/2018
Enquanto os países desenvolvidos avançam na adoção de tecnologias como internet das coisas, computação em nuvem, inteligência artificial, análise de grandes volumes de dados e impressão 3D em suas fábricas, o Brasil vive uma longa crise econômica que dificulta investimentos em inovação. Persistir com esse atraso na adoção de tecnologias como essas, que formam a chamada indústria 4.0 , implicará uma maior defasagem na competitividade internacional das empresas brasileiras.
A opinião é do consultor alemão Björn Hagemann, sócio da área deindústrias avançadas da consultoria americana McKinsey, e Rafael Oliveira, que é associado da mesma companhia. Para eles, o país terá grandes desafios para se adequar a este novo momento da indústria, conhecido também como quarta revolução industrial. Um dos principais, diz Hagemann, está na capacitação da mão de obra. Na opinião dos especialistas, falta no país um maior desenvolvimento de habilidades analíticas para lidar com grandes volumes de dados e de robótica, por exemplo.
“Faltam mais escolas técnicas para preparar essas pessoas para a indústria 4.0. As empresas provavelmente vão resolver isso como fazem hoje, com soluções internas de capacitação”, diz Oliveira. A questão também é urgente para os trabalhadores. Em seus estudos, a consultoria prevê que, no Brasil, 15,7 milhões de empregos podem ser automatizados até 2030. “Vamos perder muitos trabalhos básicos que robôs poderão fazer mais rápido, barato e com melhor qualidade. É preciso repensar onde criar empregos para o país prevenir um desemprego muito maior no futuro”, afirma Hagemann.
Segundo ele, a principal preocupação de governos em relação ao avanço tecnológico deveria ser identificar quais serão os trabalhos do futuro e adequar o sistema educacional para formar profissionais novos e requalificar quem já está no mercado. O atraso não está só no lado da qualificação profissional, segundo os consultores. Ele aparece também nas empresas. Oliveira diz que há um grande número de companhias que não estão adaptadas a ferramentas já antigas, mas que ainda são fundamentais para que as empresas possam se beneficiar da maior digitalização de seus processos.
“Faltam, por exemplo, sistemas de gestão de performance bem estruturados que tratem do presidente ao chão de fábrica com indicadores”, afirma Oliveira. Segundo estudo do fim de 2017 da CNI (Confederação Nacional da Indústria), que dividiu as companhias do setor em quatro grupos segundo seu grau de uso de tecnologia, apenas 1,6% chegou à geração 4, de maior maturidade no uso dela. Nesse estágio há muita automação e coleta de dados operacionais que ajudam a coordenar a produção de forma inteligente. Na outra ponta, 38,7% das empresas ainda estavam na geração 1 (tecnologia usada em funções administrativas, como contabilidade); 39,1%, na 2 (em diferentes departamentos, mas sem conexão entre eles); e 20,5%, na geração 3 (automação em todas as áreas). Apesar dos desafios, os consultores dizem acreditar que setores em que o Brasil tem destaque no cenário internacional, em especial o agronegócio e a mineração, devem se beneficiar logo com a transformação digital.
“O Brasil tem vantagem no clima e no acesso a commodities, e desvantagens na produtividade. A indústria 4.0 pode ajudar o país nisso”, afirma Hagemann. Neste ano, a CNI divulgou estudo mostrando que, de 24 setores da indústria, 14 precisam adotar com urgência estratégias de digitalização para se tornarem internacionalmente competitivos. Foram analisados dados de produtividade, exportação e taxa de inovação de diversos desses segmentos no Brasil e em outras 30 economias. Entre os setores nos quais a inovação é mais urgente, segundo a CNI, estão farmacêutico, químico, vestuário e assessórios, têxteis, máquinas e artigos de borracha e plástico. Hagemann diz que a tecnologia permitirá que países em que a indústria perdeu importância, por causa do custo alto do trabalho, voltem a ser centros produtivos. Isso acontecerá porque, com o avanço de tecnologias como a impressão 3D e a robotização, o custo da mão de obra será menos relevante para a decisão de onde manter a produção.
Nesse ponto há vantagem para o Brasil, em razão do seu grande mercado interno. No novo cenário produtivo, a escolha do local para instalar uma fábrica dará mais peso a onde estão os consumidores e a como fazer os produtos chegarem a eles com eficiência.