Por Eduardo Altomare Ariente e Daniel de Oliveira Babinski – REVISTA CONSULTOR JURÍDICO – 17/04/2018
O Decreto Federal 9.283, publicado em 7 de fevereiro, tem como objetivo regulamentar dispositivos do Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação (Lei Federal 13.243, de 2016), além de promover significativas alterações em outras oito normas voltadas à temática de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I).
A principal missão da lei, como se sabe, é disciplinar as relações entre governo, empresas e universidades, com vistas ao desenvolvimento científico, econômico e tecnológico do país. Para tanto, fazia-se necessário atualizar o Decreto Federal 5.563/05, agora inteiramente revogado, com o propósito de refletir as mudanças introduzidas pela nova lei.
Nesse sentido, o novo decreto regulamentou os novos instrumentos de contratação, gestão e fomento e desburocratizou os procedimentos afetos à relação entre os setores público e privado na área de CT&I. A norma infralegal, ademais, detalhou diversos aspectos operacionais das parcerias e projetos relacionados à CT&I, de forma a conferir maior segurança jurídica aos atores envolvidos.
Criticava-se o Marco Legal de Inovação por ser demasiadamente genérico, o que dificultava a contratação e a gestão de projetos, especialmente sob a égide do Direito Público. O antigo Decreto 5.563/05, agora inteiramente revogado, não foi bem-sucedido em colaborar para o incremento das parcerias para a inovação. A vivência das universidades, ao celebrar contratos com entidades públicas e privadas, mostrou que a legislação brasileira carecia de aperfeiçoamentos.
Nesse sentido, o novo decreto, ao longo de seus 10 capítulos e mais de 80 artigos, evidencia maior rigor ao prever diversas situações que, num passado recente, serviram de entraves ao bom andamento de parcerias. Convém destacar os seus principais avanços: (a) introdução de novas regras e procedimentos para a formalização de instrumentos jurídicos de investimentos, parcerias e transferências de tecnologias entre os atores públicos e privados; (b) novas regras para a concessão de recursos de subvenções econômicas; (c) regulamentação do bônus tecnológico, forma de subvencionar microempresas e a empresas de pequeno e médio porte, para o pagamento de compartilhamento, uso de infraestrutura de pesquisa e desenvolvimento tecnológicos e pagamento pela transferência de tecnologia; (d) regulamentação das encomendas tecnológicas, modalidades de contratação, pelo poder público, de instituição de pesquisa sem fins lucrativos, com dispensa de licitação, para atividades de inovação que envolvam risco tecnológico, para solução de problema técnico específico ou obtenção de produto, serviço ou processo inovador; (e) criação de procedimentos específicos e simplificados de prestação de contas, com prioridade aos resultados obtidos; (f) facilitação do remanejamento de recursos dentro de projetos de CT&I; (g) prioridade no desembaraço aduaneiro de bens, insumos, matérias-primas, máquinas, equipamentos, aparelhos e instrumentos, peças de reposição e acessórios; (h) incentivos à internacionalização das ICTs públicas; e (i) isenção do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e II (Imposto de Importação) eventualmente incidentes na execução de projetos de CT&I desenvolvidas por empresas.
Além dessas novidades, chamou a atenção no novo decreto de inovação a possibilidade de as ICT públicas serem cotistas minoritárias no capital social de empresas de base tecnológica e fundos de investimento à inovação. As universidades, além das conhecidas vocações para ensino, pesquisa e extensão, podem colaborar para o surgimento de empresas com participação de seus professores e alunos.
A regulamentação dessa modalidade de investimento é fundamental para o setor, pois sabemos que se trata de medida adotada há tempos pelas principais universidades e centros de pesquisa do mundo. As startupsacadêmicas, formas específicas de extensão universitária visando impactar social, econômica e tecnologicamente a sociedade, costumam ter mais sucesso em transferir conhecimento do que outras empresas. Isso porque dispõem da assessoria técnica dos pesquisadores da academia que integram o quadro societário, sabedores dos aspectos técnicos das invenções
Decerto, as ICT públicas devem ter celebrado o atendimento de antiga demanda, agora contida no Decreto 9.283/18, sobre a dispensa de licitação para transferência de tecnologia com cláusulas de exclusividade. Nesses casos, a norma infralegal condiciona o acordo à publicação de extrato da oferta tecnológica no sítio oficial da ICT.
As ICT privadas, não contempladas pela lei da inovação em 2004, agora receberam menções específicas sobre prestar informações periódicas sobre as suas atividades ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações. Ademais, devem instituir política de inovação e normas de compliance caso desejem obter recursos público para inovação.
Não é novidade que as condições macroeconômicas brasileiras ainda são bastante desfavoráveis ao capital produtivo. Por vezes, costuma ser mais barato e seguro ao empresariado importar tecnologia estrangeira e montar produtos em solo nacional. Parece, contudo, que não há outra saída para o desenvolvimento sustentável do país a não ser atrelado à economia do conhecimento e à inovação.
Para tanto, é essencial que se favoreçam atividades conjuntas de PD&I entre os setores público e privado de nossa economia, mediante relações que articulem conhecimento e recursos de maneira clara e segura para ambos. Dessa forma, seria possível garantir maior previsibilidade e, consequentemente, atratividade aos investimentos na área de CT&I.
Muito embora ainda seja cedo para se avaliar o real impacto da nova legislação, torna-se bem-vinda a iniciativa do decreto regulamentador, pois se trata de importante passo para o aperfeiçoamento e aprofundamento das relações entre o setor produtivo e a academia.
Eduardo Altomare Ariente é doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), professor da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, assessor do Núcleo de Inovação Tecnológica da Universidade Presbiteriana Mackenzie e pesquisador do Núcleo Jurídico do Observatório de Inovação e Competitividade do Instituto de Estudos Avançados da USP.
Daniel de Oliveira Babinski é sócio do Gomes Navarro Babinski Andrejozuk (GNBA Advogados), mestre em Direito do Estado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). Tem graduação em Relações Internacionais pela PUC-SP.