‘O Brasil tem, sim, condições de exportar conteúdo criativo’

Por Fernando Scheller, O Estado de S.Paulo – 02/04/2018


O Rio Content Market, evento que se firmou nos últimos anos como referência para do produção audiovisual independente no Brasil, está entrando em uma nova fase em 2018. Sob nova direção, o evento cresceu, ganhou casa nova – deixou de ser realizado em um hotel para ocupar os espaços da Cidade das Artes, no Rio de Janeiro – e até mudou de nome. O Rio Content agora faz parte do Rio2C, abreviação de Rio Creative Conference, que também vai incluir temas como tecnologia, inovação e música.

Criador do Rio2C, Rafael Lazarini voltou ao Brasil em 2016, após temporada em Los Angeles. Ele diz que falta integração entre os diferentes elos da indústria criativa brasileira, apesar dos avanços no audiovisual. A ideia, agora, é mostrar que as produções para a TV, de música e de conteúdos ligados à tecnologia – como os que usam realidade virtual – estão conectadas.

Para organizar o novo evento, Lazarini se inspirou em experiências internacionais – a mais clara referência é o megafestival americano South by Southwest, que transformou a cidade de Austin, no Texas, em um polo de cultura e inovação. Em um momento difícil para o Rio – que enfrenta dificuldades financeiras e uma intervenção federal na segurança –, ele espera que a cidade possa se firmar como centro de disseminação de cultura.

A ideia do Rio2C, diz Lazarini, é criar o pensamento de indústria do entretenimento no Brasil. “Passei boa parte dos últimos 12 anos em Los Angeles. É incrível como a indústria do entretenimento é pulsante lá. Por aqui, o olhar ainda é setorial, pensamos em música e audiovisual de forma independente. Mas temos todos os elementos para criar uma indústria de entretenimento forte.” A seguir, os principais trechos da entrevista:

O que muda na transição do Rio Content Market para o Rio 2C?

Adicionamos duas novas disciplinas ao evento, que, além da produção audiovisual, passa a incorporar música e inovação. Além disso, depois da conferência para os profissionais, haverá uma programação voltada ao público final, ao espectador, no fim de semana.

Qual é o objetivo da mudança?

Adquirimos o direito de usar o Rio Content Market e o incorporamos ao novo evento, Rio Creative Conference, ou Rio2C, mas mantivemos Carla Esmeralda como a principal curadora de conteúdos. O objetivo é transpor a barreira do audiovisual e falar de entretenimento como uma forma geral.

Falta integração entre os diferentes elos do setor de entretenimento no Brasil?

Sim. Passei boa parte dos últimos 12 anos em Los Angeles. É incrível como a indústria do entretenimento é pulsante nos EUA. Por aqui, o olhar ainda é setorial, pensamos em música e audiovisual de forma independente. Mas temos todos os elementos para criar uma indústria do entretenimento muito forte. Essa integração é importante, porque a tecnologia pode informar a música, que pode informar o audiovisual. Está tudo conectado.

O fato de a produção brasileira ser em português não limita as possibilidades de exportação do conteúdo?

Não. A PriceWaterhouseCoopers tem uma pesquisa do setor de entretenimento que mostra que a América Latina vai apresentar o maior crescimento porcentual nessa área, em um movimento liderado pelo Brasil. O idioma é um limitador que nós pensamos existir, mas que pode ser transposto. A série 3%, do Netflix, foi mais assistida no exterior que no Brasil. Vemos artistas como Anitta fazendo parcerias internacionais. Os países nórdicos são um bom exemplo de que o idioma não faz tanta diferença. Eles produzem conteúdo de qualidade, exportado para o mundo todo, em idiomas mais restritos que o português.

E o que falta para o Brasil dar o salto definitivo para exportar conteúdos?

A gente evoluiu muito em filmes e séries, e o Rio Content Market ajudou nesse processo nos últimos sete anos. O Rio2C quer fazer o mesmo pelos outros setores. O mercado de música, por exemplo, sofreu com a pirataria e com o processo de digitalização do consumo. Antes, a gravadora cuidava de todo o processo – o artista só precisava assinar o contrato. Agora, não existe mais essa entidade central que organize o processo. Para ter sucesso, o artista precisa ser uma espécie homem de negócios. A gente precisa encontrar uma forma de reorganizar o setor, de organizar produção, distribuição e promoção, como as gravadoras faziam antes.

O SXSW parece ser uma inspiração clara para o Rio2C.

Não é apenas o South by Southwest, mas também o Web Summit, que criou uma revolução em Lisboa, trazendo profissionais de startups para a cidade. Acredito no poder transformador desses eventos. Veja o caso de Austin, onde se realiza o SXSW: é uma cidade do interior do Texas, um dos Estados americanos mais conservadores, que virou uma ilha de inovação importante para os EUA. Os eventos têm uma capacidade de fomento muito forte. E não existe nada acontecendo no Hemisfério Sul. Queremos mudar isso.

O evento cresce em um momento complexo para o Rio…

Voltei para o Brasil no meio de 2016, no meio daquele baixo astral pós-impeachment e num momento complicado para o Estado do Rio. O Rio Content Market também estava num momento crítico: acanhado, realizado em um hotel. A estrutura não refletia a relevância que ele tem para o setor audiovisual. Havia um descasamento. Então, resolvemos ampliar o conceito e trazer o Rio Content Market para dentro desse guarda-chuva. Acredito que o evento vai ser bom para o Rio, que sempre teve uma vocação para a indústria criativa. Vai ser importante também trazer o público final, fazer essa aproximação.

E quais conteúdos serão trazidos para o público final?

Além de conteúdos de audiovisual, vamos fazer o Festivalia, que foi uma forma de trazer para o Rio artistas que vêm se apresentando em festivais independentes pelo Brasil. Também teremos uma grande experiência voltada à realidade virtual (VR) e à realidade aumentada.

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