Por A Tribuna – 21/10/2018
Os empreendedores de 20 e poucos anos têm maior probabilidade de criar empresas de alto crescimento? E os na faixa dos 40 anos são capazes de encontrar sucesso? A pesquisa Idade e Empreendedorismo de Alto Crescimento, do professor do MIT Sloan Pierre Azoulay e equipe desconstrói a crença de que somente os jovens podem criar negócios grandes e transformadoras. Eles constataram que 42 anos é a idade média de fundadores de startups e outros negócios bem-sucedidos nos Estados Unidos. Além disso, lembram que a maior invenção de Steve Jobs não surgiu na sua juventude.
“No Brasil, podemos utilizar como exemplo o empresário Jorge Paulo Lemann, nascido em 1939. Este visionário vendeu o Banco Garantia em 1998, aos 59 anos; e a partir daí concretizou grandes negócios. Sua fortuna só multiplicou”, comenta a mestre em Gerentologia Denise Mazzaferro, que quis se reinventar aos 40 anos, depois de trabalhar no universo corporativo por 22 anos. Tornou-se sócia da AngatuIDH e tesoureira do Olhe (Observatório da Longevidade Humana e Envelhecimento). Ela também contesta a falsa ideia de que os mais velhos não estariam tão conectados às inovações tecnológicas, ficando aquém das novas propostas nas quais a inteligência artificial, por exemplo, será vastamente utilizada. E avisa que o crescimento é maior em equipes inter geracionais. “A maior vantagem é a diversidade, uma bandeira tão levantada atualmente e de importância reconhecida pelas grandes organizações.
Não podemos esquecer que o aproveitamento de diversas idades é um dos grandes promotores de visões e experiências múltiplas, e isso leva à inovação. As empresas estão aprendendo a trabalhar com as diversas gerações, e só escuto bons relatos dos profissionais de RH que conseguem implantar modelos nessa linha”. O estudo alerta que, neste exato momento, algumas ideias de novos negócios podem não estar recebendo o financiamento que merecem porque seus fundadores de 37 anos de idade são rotulados como excluídos. Num tempo em que a economia brasileira e mundial precisa de fôlego, é urgente que a sociedade combata o estereótipo que relaciona inovação/produtividade somente a idade. Como? “Com exemplos. Os autores do livro The 100-Year Life apontam como uma das tendências desta vida mais longa que as fases não serão mais ditadas pela idade cronológica, mas sim pelo momento em que estamos, nosso interesse e experiência”.
Experiência conta muito
Denise discorda apenas dos autores do estudo quando eles afirmam que o tempo é aliado dos empreendedores mais velhos, considerando que é a experiência: “Obviamente, subentendemos que os mais velhos teriam mais experiência. Mas isso pode ser um pré-conceito, pois tem experiência quem mais ousa, erra, acerta, fracassa; atitudes relacionadas ao perfil da pessoa, e não aos anos de vida. E aviso logo que empreender é a saída para a crise do emprego, sendo visível que o mundo do emprego está se transformando no mundo do trabalho”. Giuseppe Cocco, doutor em História Social e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, diz que “precisamos aprender a nos produzir como força de trabalho dentro de uma grande rede de serviços e fornecedores”. Denise vive isso na pele: “É mais arriscado, porque você precisa fazer (e saber vender) bem o próprio trabalho, sem contar com salário caindo mensalmente no banco. Mas é possível. Trouxe mais flexibilidade à minha vida e muito mais realização profissional e pessoal”.
Encarar crises
Na visão de Michel Machado, country manager do Subway, que conta com 1 mil franqueados no Brasil, “o que determina o sucesso não é a idade, e sim quanto o empreendedor quer entender as particularidades do negócio, está sempre próximo da operação e se empenha para que as dificuldades do dia a dia sejam superadas. O caminho do empreendedorismo é árduo, mas acreditamos que qualquer pessoa dedicada é capaz de ser bem-sucedida e vencer”. Rogério Galvão é um desses. Atua no ramo de alimentação desde os 26 anos e chega aos 51 neste mês de outubro como franqueado de cinco Spoleto e cinco Subway na Baixada Santista. Trabalhou em banco enquanto cursava Administração, depois topou ser gerente trainee no primeiro McDonald’s de Santos, ficando por 14 anos na rede, que só cresceu. “Foi aí que decidi empreender. Realmente tem uma molecada muito mais ágil nas competências digitais, mas eu fui me adequando. Minha experiência é valiosa principalmente para desenvolver pessoas, o que gera equipes melhores e, automaticamente, sucesso nos negócios”. Outra vantagem destacada por Galvão: “Quem já viveu crises econômicas no passado, enfrentou inflação galopante, tem mais condição de suportar essa atual e de enxergar luzes no fim do túnel. A moçada, com certeza, sente a pressão e tende a se assustar mais, porque não passou por turbulências como o Plano Collor, por exemplo. Quem é um pouco mais velho traz essa bagagem e vivência, para ultrapassar as dificuldades do mercado sem quebrar ou desistir”.
O administrador se sente bastante confortável hoje no ramo da alimentação aos 51 anos, assim como valoriza ter um mix de faixas etárias nas equipes, “pois nosso tipo de trabalho pede muita transpiração, mão na massa. A maior parte de nossos gerentes é um pouco mais nova: tem, na média, 35 anos. Nós, mais velhos, contribuímos com inspiração. Eu já tentei entregar a gerência a um ex-parceiro do tempo do McDonald’s, mas após três meses ele me agradeceu e partiu. Na parte operacional, os mais jovens encaram melhor o ritmo intenso de trabalho”. Criativos sempre! Alexandre Kalache, médico e pesquisador em saúde pública, uma das maiores autoridades internacionais em gerontologia e consultor da plataforma Viva a Longevidade, do Bradesco Seguros, analisa: “Grandes escritores, pintores, economistas, cientistas fizeram suas melhores obras já bem maduros. A criatividade num sentido amplo permanece até onde nossas mentes são capazes de ousar, pensar fora da caixa… Já sob um aspecto mais restrito, que envolva tecnologias, o problema não é deixarmos de ser criativos, mas sim de termos, depois de certa idade, perdido o bonde. Se não estivermos acompanhando a evolução tecnológica, é óbvio que com o passar dos anos deixaremos de ser criativos, produtivos”.
Kalache lembra que o trabalho inter geracional permite as trocas, nas quais as mentes mais inquietas e adaptadas às explosões de conhecimentos tecnológicos (via de regra, os mais jovens) se combinam com a experiência, o rigor metodológico, o compromisso em deixar um legado – atributos frequentemente dos mais velhos. “O preconceito deixa de lado a criatividade. Quem nunca ouviu daquele velho não vai sair nada de novo’? Desestimulado, o tal velho acaba por cair na armadilha, e as expectativas são cumpridas (em inglês, self-fulfilling prophecies)”. Finalmente, o médico acredita que a realidade do envelhecimento extraordinariamente rápido do Brasil fará mais empresas perceberem que investir no capital humano é a aposta mais certa. As mais espertas “investirão naqueles que são dedicados, leais e experientes. Vai faltar mão de obra de jovens, porque por décadas as taxas de natalidade estão caindo; nos últimos quase 20 anos, abaixo do nível de reposição populacional. Então, os mais velhos passarão a ser os recursos mais preciosos das empresas. Quem sacar isso sairá na frente”, afirma Kalache. Sem currículos e com salário de R$ 7 mil, 20 inovadores de perfis diversos (bastando ter mais de 18 anos) estavam sendo recrutados pela Natura em setembro.
“O contexto atual favorece a criação de um programa que, de um lado, valorize a diversidade, acelere a inovação e a criação de novos modelos organizacionais na empresa e, de outro, engaje pessoas transformadoras — independentemente de sua formação acadêmicaou idade — em busca de propósito e autonomia para construir projetos inovadores juntos, em ambientes empreendedores em contraponto às tradicionais hierarquias existentes nas grandes empresas”, explica Flavio Pesiguelo, vice-presidente de Pessoas, Cultura e Organização. Além disso, a Natura se uniu ao Sebrae para fortalecer o perfil empreendedor e desenvolver competências em gestão, marketing, vendas e finanças internamente. Em agosto, suas mais de 5 mil líderes de negócios passaram a ter acesso a conteúdos exclusivos com palestras, capacitações à distância e presenciais. Maria Marlene Silva, 45 anos, é líder de negócios há 11 anos, atendendo 268 consultoras em Goiânia, e aprovou a iniciativa: “Aprendemos muito”. Saberes e ideias. A Via Gutenberg é uma empresa certificada B, que usa da força empreendedora e agilidade empresarial para promover relações justas e impacto positivo mensurável e auditável por terceiros. “É aquela que já entendeu que pode ser veículo de realização pessoal e social, resolvendo alguns dos desafios socioambientais que temos enquanto sociedade”, explica o sócio-fundador Sergio Serapião, que fundou o movimento LAB60, no qual participam empreendedores na faixa dos 20 até 80 anos.
“Nossos melhores resultados têm ocorrido quando há complementaridades entre pessoas de diferentes idades. Vivemos sob uma cultura jovem-cêntrica, com pessoas acreditando que os de 20 teriam mais potência que os de 50. Nada baseado em fatos, já que as pesquisas recentes dizem o contrário. O LAB60+ quer iluminar as potências que temos por toda vida e nos conscientizar de que a cada momento elas se transformam. O mais importante é não envelhecer fingindo ser jovem, ou melhor, ignorando as potências que emergem e outras que perdemos”. Serapião concorda que a experiência é uma aliada do sucesso: “O empreendedor é alguém que aprende a se frustrar, a cair e levantar, a tentar até alcançar seu objetivo. E muitas vezes precisamos de tempo para entender exatamente o que é sucesso. Apenas ganhar dinheiro?
Pesquisa do professor Otto Scharmer, do MIT, revelou que as maiores inovações do mundo ocorreram quando alguém alinhou seu saber às questões que realmente importavam para o coração da pessoa; e a partir disso teve inspirações para resolvê-las. Assim surgiu a Teoria U. Por isso, nosso potencial empreendedor se amplia com o tempo”. A cultura jovem-cêntrica é míope para esta possibilidade de contratação de trabalhadores ou fornecedores mais maduros. O que fazer? Serapião sugere “documentar exemplos de como a maturidade pode ser potencializadora. Agir coletivamente para alterar esta cultura e abrir oportunidades de trabalho sênior em ambientes intergeracionais. Esta é nossa busca no LAB60+ e convidamos a todos a se engajarem”.