Agricultura sustentável reduz custos e eleva produtividade

Por Folha S.Paulo – 30/11/2018

Embora não haja nenhuma barreira de mercado internacional imposta diretamente a produtos brasileiros sem compromisso com práticas sustentáveis, a adoção de medidas para reduzir o impacto da atividade agrícola é uma realidade crescente no setor, acompanhando as mudanças nos hábitos de consumo em todo o mundo.

Ainda restrita a uma minoria de produtores com maior acesso a crédito, tecnologias e assistência técnica personalizada, a agricultura sustentável tem se mostrado benéfica não apenas para o planeta, mas também para o bolso do agricultor, reduzindo custos e elevando a produtividade.

“Com o manejo sustentável, eu consigo propor o uso alternativo do solo com atividades não agrícolas, geralmente florestais, que permitem reduzir as áreas menos produtivas e reocupá-las com uma atividade de maior produtividade e maior aptidão”, afirma Ricardo Ribeiro Rodrigues, professor titular do departamento de ciências biológicas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP). Entre os ganhos não financeiros, Ribeiro ressalta que a grande maioria das atividades agrícolas dependem de polinizadores, “então, quanto mais floresta na paisagem maior a produtividade”.

Segundo o coordenador do centro de estudos do agronegócio da Fundação Getulio Vargas (FGV-Agro), Roberto Rodrigues, os ganhos gerados pelas práticas sustentáveis levam a uma espécie de autorregulamentação do setor agrícola, também puxada pelas exigências do consumidor nacional e internacional.

“Há um processo socioeconômico que é irreversível. Hoje, o produtor rural que fica com produtividade abaixo da média quebra. No médio prazo, todos precisarão entrar no trilho da sustentabilidade. E quem não entrar vai cair fora. É um processo próprio da economia”, afirma Rodrigues. Algumas das práticas sustentáveis já vinham sendo adotadas pelo agronegócio brasileiro justamente por causa dos ganhos obtidos com a produtividade, segundo Juliana Monti, gerente de sustentabilidade da Abag (Associação Brasileira do Agronegócio).

Um desses exemplos é o sistema de plantio direto. A técnica consiste no plantio sem as etapas convencionais de preparo do solo, mantendo-o coberto por plantas em desenvolvimento e resíduos vegetais. Essa camada contribui para proteger o solo de erosões e outras intempéries. Agora, essas práticas estão sendo adotadas devido ao aumento da demanda de que os alimentos sejam cultivados da forma mais sustentável possível, segundo Monti.

Além dos ganhos de produtividade já comprovados, outros atributos têm levado os produtores a adotarem boas práticas no campo. Entre eles, estão o pagamento de bônus, um valor a mais que o mercado paga para o produto que é feito de forma orgânica ou com base em práticas sustentáveis.Outro nicho que tem estimulado os produtores é a conquista de mercados mais exigentes e engajados em causas ambientais, como a União Europeia. Alguns países europeus, por exemplo, dão preferência a importação de frutas pulverizadas há mais tempo e, por isso, com menores teores de resíduos químicos.

Na pecuária leiteira, o exemplo mais recente de pressão da indústria pela adoção de boas práticas veio da Nestlé, maior captadora de leite do país. A empresa mantém 3.500 fornecedores certificados em seu programa de boas práticas, que incluem gestão da água, preservação do ambiente e bem-estar animal.

“Ao se tornar fornecedor, o produtor tem 90 dias para implementar as boas práticas. Após isso, ele passa por auditoria anual, além de visitas surpresas. E, se houver alguma irregularidade, ele é suspenso por 30 dias”, explica Taissara Martins, gerente de desenvolvimento de qualidade e fornecedores da Nestlé. “Não temos problema sobre a questão da sustentabilidade. Nenhum país tem exigido algo específico para nossas exportações”, afirma o secretário de relações internacionais do agronegócio do Ministério da Agricultura, Odilson Luiz Ribeiro e Silva.

Ele cita os dados de uso do solo no Brasil levantados pela pasta com o IBGE, Embrapa e outras instituições. Eles indicam que só 7,8% do território é utilizado para lavouras. A própria legislação brasileira é apontada pelo secretário como uma das mais rígidas do mundo. “O Brasil é praticamente o único país do mundo que tem legislação para preservar margem de rios”, diz Silva, ao citar o Código Florestal, aprovado em 2012. O Código criou a exigência de áreas de preservação permanente em regiões de vegetação nativa, o que inclui nascentes e margens de rios, lagos, manguezais, entre outros. Segundo a lei, a largura da faixa de mata ciliar a ser preservada está relacionada com a largura do curso d’água.

O mesmo Código instituiu a figura da reserva legal, determinando o percentual de área de cada propriedade rural que deve ser conservada. Os valores variam de 20% a 80% da terra e são alvo de crítica por parte dos ambientalistas. Segundo o Greenpeace, um dos biomas mais ameaçados pela expansão agrícola é o cerrado. A ONG publicou relatório recentemente sobre os impactos do agronegócio na região do Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia).

Os dados apontam que a área de soja na região cresceu 253% entre 2000 e 2014, para 3,4 milhões de hectares. Nacionalmente, esse aumento foi de 130% no mesmo período, para cerca de 32 milhões de hectares, segundo a Conab. Segundo a responsável pelas campanhas da Amazônia do Greenpeace, Adriana Charoux, o maior avanço da fronteira agrícola no Matopiba reflete a menor proteção dada ao cerrado. Enquanto a reserva legal para a região amazônica (de floresta) é de 80%, para o cerrado é de 35%. “Já perdemos mais de 51% da área original [do cerrado] e a principal causa é o agronegócio avançando sobre vegetação nativa”, destaca Charoux.

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