Composto no solo é chave contra mudanças do clima na Califórnia

Por Mara Gama – Folha S.Paulo – 08/02/2019

A aplicação de composto de resíduos orgânicos no solo para capturar carbono da atmosfera está na agenda de combate às mudanças climáticas na Califórnia. E tem o potencial de zerar as emissões do Estado, afirma o coordenador do Programa Resíduo Zero Residencial da prefeitura de São Francisco, na Califórnia (EUA), Kevin Drew.

A discussão sobre estratégias para captura de carbono foi o foco do seminário “Desperdício Zero: sequestro de carbono e clima”, realizado dia 31 de janeiro, em São Paulo, com a presença de Drew. Ele veio a convite do Instituto Pólis e da Aliança Resíduo Zero Brasil. O último relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) alerta para a necessidade de introduzir mudanças de comportamento no prazo de 12 anos, para brecar o aumento do aquecimento global. O estudo propõe limitar o aumento global das temperaturas a 1,5 grau Celsius.

Drew relatou os resultados de estudos científicos feitos sobre a aplicação de composto resultante dos resíduos domésticos em fazendas de um cinturão verde próximas de São Francisco. Mostrou resultados e fez prognósticos positivos. O processo tem o potencial de anular todas as emissões de carbono residenciais e comerciais do Estado, com custos reduzidos, pois usa os resíduos orgânicos. Retirar carbono da atmosfera, em vez de apenas reduzir as emissões, está sendo considerada estratégia cada vez importante para impedir as mudanças climáticas.

A Califórnia é o maior produtor agrícola dos EUA. Secas, incêndios e o uso intensivo são responsáveis pelo empobrecimento crescente do solo. São Francisco tem o sistema de compostagem mais extenso do país. Separa o resíduo domiciliar em três frações desde 1998: materiais recicláveis, orgânicos compostáveis e rejeitos. Esta é a chave para qualquer programa de aproveitamento de resíduos orgânicos, como se sabe. O Estado da Califórnia aposta nisso e deve construir ou expandir 200 instalações de compostagem nos próximos anos. E, até 2025, será proibido o envio de matéria orgânica a aterros sanitários, para evitar a geração crescente de metano e justamente para criar o estoque de composto para colocar no solo. Um estudo da Universidade de Berkeley calculou que cobrir 5% das pastagens degradadas da Califórnia, com aproximadamente 2,6 centímetros de composto, removeria uma quantidade de carbono aproximadamente igual ao CO liberado pelo fornecimento de energia para as casas e empresas do Estado durante um ano, cerca de 28 milhões de toneladas, ou 80% das emissões do setor agrícola e florestal do Estado.

O cálculo leva em conta o carbono propriamente extraído e a redução nas emissões do aterro sanitário, por causa do desvio dos orgânicos. Aplicado ao solo, o composto, que é um fertilizante natural, faz as plantas crescerem. A fotossíntese atrai o dióxido de carbono do ar e libera oxigênio. Quanto maiores as plantas, mais carbono elas usam. A meta de zerar as emissões do Estado até 2045 está sendo perseguida de verdade. Um grande consórcio de universidades e centros de pesquisa recebeu uma doação de US$ 4,7 milhões do Conselho de Crescimento Estratégico da Califórnia para pesquisar métodos escalonáveis de uso de aditivos para o solo para capturar os gases do efeito estufa.

O consórcio vai conduzir e supervisionar 29 locais de tratamento e controle em toda a Califórnia, para avaliar comparativamente o sequestro com a adição de rocha pulverizada, composto e biochar (espécie de carvão vegetal rico em carbono) em diferentes tipos de culturas e pastagens. No anúncio do lançamento do consórcio, o diretor do Instituto de Meio Ambiente John Muir e membro do Escritório do Conselho de Liderança Global do Clima da Universidade da Califórnia, professor Ben Houlton, disse que a alteração do solo com materiais naturais pode “ajudar a restaurar a saúde e aumentar o rendimento das culturas, capturando o dióxido de carbono e bloqueando-o para que não cause impactos climáticos que prejudiquem as pessoas, os ecossistemas e a economia”.

O ex-governador do Estado Jerry Brown dotou US$ 20 milhões para a Iniciativa de Solos Saudáveis, um programa que incentiva os produtores a adotarem técnicas da agricultura regenerativa, que aumenta a produtividade do solo em plantações, pastagens e reservas. O bônus? Promove captura de carbono. No Brasil, lembra Elisabeth Grimberg, coordenadora de Resíduos Sólidos do Pólis, as prefeituras ainda não assumiram sua responsabilidade de coletar os resíduos orgânicos domiciliares separados dos rejeitos e dos recicláveis, conforme indicado na Política Nacional de Resíduos Sólidos.

“O Brasil tem cerca de 4000 municípios, dos 5.568, com até 50.000 habitantes. Ou seja, as fronteiras entre áreas urbanas e rurais são muito próximas, o que viabiliza a destinação dos resíduos orgânicos domiciliares e de poda para unidades de compostagem a curta distância do local de geração”, observa. “Isso evitaria longos deslocamentos de caminhões até aterros sanitários, redução de emissões de metano nesses locais e de CO² no transporte dessa matéria. Essas unidades de compostagem poderão ser geridas de forma compartilhada”, afirma. Segundo ela, um conjunto de municípios poderia operar o sistema de tratamento em uma mesma unidade, garantindo benefícios econômicos e ambientais.

“Essa mudança na cultura de gestão dos resíduos orgânicos no país pode tomar como referência experiências exitosas como em São Francisco, na Califórnia ou em diversas cidades da Itália, como Parma”. Elisabeth lembra que, no Brasil, o setor privado tem mostrado que é viável tanto a compostagem em escala, caso da Tera Ambiental, em Jundiaí, em São Paulo, quanto de biodigestão, caso do Consórcio Verde Brasil, em Montenegro, no Rio Grande do Sul. “A mudança depende de vontade política das prefeituras e pressão da sociedade civil”, diz.

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