Estudos do FMI e da OCDE afirmam que aumento da distância ente ricos e pobres prejudica o crescimento econômico, mas alguns economistas discordam
Economistas não têm a reputação de terem compaixão: seus olhos estão voltados para números, e não para destinos humanos. Assim, a maioria não vê problemas na desigualdade de renda ou de propriedade. Muito pelo contrário: as pessoas tendem a trabalhar mais se precisam subir na vida, argumentam. Já programas sociais e de redistribuição de renda custam caro e reduzem a motivação.
Nos últimos anos, contudo, houve sinais de uma mudança de atitude. O Fundo Monetário Internacional (FMI) – que não é exatamente conhecido pelas suas tendências esquerdistas – alertou que a desigualdade prejudica o crescimento. A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), um clube formado principalmente por países ricos, concordou.
“Quando a desigualdade de renda aumenta, o crescimento econômico cai”, afirma o economista Federico Cingano num estudo para a OCDE. Pesquisadores do FMI chegaram a conclusões semelhantes: “Se a fatia de renda dos 20% mais ricos aumenta, o crescimento do PIB cai em médio prazo”. Nos países da OCDE, a queda no crescimento foi de impressionantes 8,5% do PIB nos últimos 25 anos, segundo o estudo.
Os resultados agradaram os defensores da redistribuição de renda, de programas de assistência social e de impostos mais altos para os ricos. Para eles, finalmente há provas de que a luta contra a desigualdade é uma causa digna – não somente por razões morais e políticas, mas também financeiras.
Para o pesquisador Holger Stichnoth, do Centro de Pesquisa Econômica Europeia (ZEW, na sigla em alemão), os resultados das pesquisas são simplesmente “bons demais para serem verdade.” Ele argumenta que os dois estudos não foram capazes de provar uma relação causal entre a desigualdade e o menor crescimento econômico. Outros economistas, igualmente desconfiados, criticaram a metodologia e os dados usados nas pesquisas.
“Continua incerto se a ligação [entre desigualdade e crescimento econômico] é positiva, negativa ou simplesmente não existe”, explica Stichnoth. “Este é o dilema das ciências sociais: é muito difícil provar uma relação causal.” Pesquisadores do FMI publicaram recentemente novas descobertas, na tentativa de determinar o ponto exato em que a desigualdade começa a prejudicar o crescimento. O debate, portanto, ainda não acabou.
Por Andreas Becker – #CARTAS – 17/04/2018
Desigualdade em alta – ou em baixa?
Os economistas concordam, contudo, em alguns pontos. Por exemplo: famílias de baixa renda podem investir menos em educação, o que reduz suas chances de encontrar empregos bem remunerados.
Também não há como duvidar que a desigualdade aumentou na maioria dos países. Segundo a OCDE, a lacuna entre ricos e pobres alcançou o nível mais alto em 30 anos na maioria de seus países-membros. O FMI descreve essa situação como “um dos grandes desafios da nossa época”.
“A desigualdade de renda aumentou em quase todas as regiões do mundo nas últimas décadas”, aponta o Relatório Mundial sobre a Desigualdade de 2018. As exceções são poucas: no Oriente Médio, na África subsaariana e no Brasil. Ou seja, onde a desigualdade já era extremamente alta, ela permaneceu estável.
Tudo isso parece se resumir ao velho ditado de que os ricos ficam cada vez mais ricos, e os pobres cada vez mais pobres. No entanto, segundo Stichnoth, a situação não é bem assim. “Alguns países que costumavam ser muito pobres recuperaram terreno nos últimos 30 anos”, afirma. “Os principais beneficiados dessa situação são os ricos e a classe média na China e em outros países asiáticos.”
A desigualdade continua sendo muito alta na China e na Índia, mas a diferença de renda que existia entre esses países e a Europa ou os Estados Unidos é menor hoje do que costumava ser. Na comparação entre os países, portanto, a desigualdade caiu.
Isso se reflete no coeficiente de Gini, que vai de 0 (igualdade total) a 100 (desigualdade total). O índice global caiu para 65, segundo um estudo do Instituto Peterson de Economia Internacional. Essa queda se deve ao rápido desenvolvimento econômico registrado em muitos países da Ásia. Os pesquisadores esperam que o índice caia ainda mais e atinja 61 em 2035.
Mesmo se isso ocorrer, o coeficiente global de Gini seguirá sendo muito mais alto do que o de alguns países, como Alemanha (29) e Estados Unidos (39).
Efeitos nas sociedades
Mas, mesmo que a desigualdade global tenha diminuído nos últimos anos, isso não serve de consolo para quem ficou de fora desse desenvolvimento. Esse grupo inclui, por exemplo, os americanos e europeus de baixa e média renda. De uma perspectiva global, eles podem ser considerados ricos, mas suas rendas estagnaram ou mesmo diminuíram, segundo vários estudos.
A queda na desigualdade global aliada ao aumento da desigualdade dentro da maioria dos países pode ajudar a explicar o crescimento do populismo, do nacionalismo e do protecionismo em muitas partes do mundo. “Os cidadãos podem perder a confiança nas instituições, o que diminui a coesão social e a confiança no futuro”, afirma o estudo do FMI.
Nem sempre os governos são capazes de reverter essas tendências, pois muitas vezes eles não têm os recursos financeiros necessários. Quase todos os países privatizaram grande parte de seu patrimônio nos anos 1980, afirma o Relatório Mundial sobre a Desigualdade. “Os países ficaram mais ricos, mas os governos ficaram pobres”, conclui o estudo. “Isso limita a capacidade dos governos de combater a desigualdade.”